Quando falamos sobre livros para crianças, logo vem à mente a ideia de livros ilustrados, com imagens coloridas, que chamam a atenção das crianças para a história. A ilustração é, de fato, parte muito importante do livro infantil e ela aparece de diferentes formas e oferece diferentes contribuições sobre a obra.
Existem os livros com imagem, em que a imagem ilustra o que o texto diz, por exemplo. E existem os livros ilustrados, em que a ilustração faz parte da história e é responsável por contar a história, tanto ou mais que o texto.
“Na nossa cultura, o texto tem primazia sobre a imagem. Quando texto e imagem estão associados, a imagem é vista em seu conjunto, mas não como uma narrativa de fato.”
Anne Brouillard em Como Ler o Livro Ilustrado.Para nós, é muito comum que, ao ler um livro ilustrado, a velocidade com a qual passamos as páginas esteja relacionada à leitura do texto. A imagem é observada como parte do livro, mas muito brevemente, porque é no texto que buscamos o sentido e a continuação da história. Essa generalidade se quebra, é claro, quando a ilustração provoca o leitor e revela algo que chama a sua atenção e o faz voltar os olhos com mais atenção para as imagens.
Nos livros ilustrados, os textos e imagens exercem diferentes relações um para com o outro e essas relações ajudam a definir categorias para os livros ilustrados. Dentre essas categorias, encontramos os livros de imagem, ou livros-imagem, que são aqueles em que a história é contada apenas através das figuras, sem palavras escritas. Neles, as imagens são colocadas em sequência, narrando uma história.
Os Livros de Imagem geralmente são associados aos leitores não alfabetizados e aos leitores bebês, por parecerem fáceis e simples de ler. No entanto, o fato de não trazerem palavras não faz com que, necessariamente, suas histórias sejam simplistas e não tragam complexidades que possam interessar leitores mais experientes e até exigir conhecimentos prévios, para que as camadas mais profundas da leitura sejam alcançadas.
Por não exigirem que o leitor domine o sistema de escrita alfabética, os Livros de Imagem se tornam acessíveis a todos e podem ser lidos com autonomia por todos, inclusive por crianças antes de sua alfabetização.
Embora a leitura do título e da capa sejam importantes para conduzir o leitor no sentido pretendido pelo autor, é possível ler livros de imagem publicados em outros idiomas, sem que recebam tradução. Isso amplia as possibilidades e os acessos.
Esses livros são, geralmente, objeto de muitas dúvidas e é sobre elas que vamos falar a seguir.
A criança vai entender?
Ao produzir um Livro de Imagem, o autor aposta em uma contribuição do leitor final para que a história alcance seu sentido. A história está ali, mas a sua compreensão não está dada de forma gratuita. Ela não precisa ser traduzida por um mediador de leitura, mas pede uma interação da criança, um envolvimento do pequeno leitor que precisa fazer uso da sua criatividade e imaginação.
Dessa forma, o Livro de Imagem se torna um espaço privilegiado em que o leitor obrigatoriamente se detém sobre as figuras e busca nelas o sentido para a história, analisando e observando todos os seus detalhes. E essa leitura pede um outro tempo, um outro ritmo.
Eles sugerem uma leitura lenta que exige mais atenção e sensibilidade do leitor para com os seus detalhes e todas as pistas que são deixadas ao longo das páginas. São livros para ir e vir, para voltar e se demorar a fim de compreender o que está sendo dito.
Como ler?
A leitura de um Livro de Imagem é bastante versátil:
Você pode descrever as imagens, ir fazendo perguntas para que a criança participe dessa descrição;
Você pode ler fazendo sons aleatórios, que não tenham significado, utilizando técnicas teatrais como o gromlu, que imita idiomas;
Você pode tentar reproduzir os sons dos objetos ou personagens se movimentando ao longo da história;
Você pode fazer uma leitura silenciosa: ir passando as páginas, observando livremente todos os detalhes. Fazendo perguntas ou não. Chamando a atenção da criança para elementos importantes, ou não;
E você pode contar uma história para as crianças, criando um texto para isso, e utilizando as imagens do livro como um apoio. Sobre isso falaremos mais no decorrer do texto.
Se você quer ver na prática como conduzir a leitura de um livro que não tem palavras, pode encontrar um modelo nesse vídeo aqui.
Mas, de qualquer forma, antes de criar uma maneira de contar a história, explorem o livro juntos. Deixe que a criança tenha as suas impressões sobre a história sem uma interpretação prévia.
Primeiro, observe junto com a criança todos os detalhes e as pistas que são deixadas ao redor do livro. Observe a capa, a contra capa, as orelhas do livro. Procure todas as imagens que estão ao redor da história e observe também se o livro traz paratextos, que são textos que estão além da história, mas podem falar sobre ela, o livro ou o autor.
Todas essas informações enriquecem a leitura e nos ajudam a alcançar outros sentidos, mas muitas vezes os paratextos podem acabar condicionando e limitando a nossa interpretação. Isso, além de já nos tirar alguns prazeres da descoberta, acaba também limitando o uso da nossa imaginação e investigação.
Por isso, eu particularmente não gosto de ler os paratextos antes de ler o livro. Prefiro descobrir a história e, então, conhecer o que estava por trás dela.
Posso inventar uma história?
Embora possa parecer, a leitura dos livros de imagem não é livre. Esses livros exploram a criatividade dos autores, que fazem uso de diversos recursos que conduzem os leitores ao longo das páginas.
É bastante comum que os contadores de histórias e até os mediadores de leitura, as pessoas que aproximam as crianças não-leitoras dos livros, criem textos para ler os Livros de Imagem. Como falei, essa é uma possibilidade de leitura, sim, mas definitivamente não é a única e não é necessária.
O leitor ou o mediador de leitura não precisa criar uma história em cima do livro, a história já está ali e, se ela foi contada sem palavras, talvez elas realmente não sejam necessárias.
Além de democráticos, os Livros de Imagem também são bastante versáteis. A seguir você pode conferir uma lista com 10 títulos bastante diferentes para escolher o seu favorito e, junto à sua criança, se aventurar nesse mundo de percepção, contemplação e imaginação:
Onda - Suzy Lee
Parte de uma trilogia que é composta também por Espelho e Sombra, esse livro mostra o primeiro encontro de uma menina com o mar. A história começa com muita apreensão por parte da menina que vai, aos poucos, testando os limites de seu novo amigo. A autora faz uso dos limites materiais do livro para marcar os espaços ocupados pela menina e pelo mar.
Bárbaro - Renato Moriconi
Esse livro também faz uso da materialidade para contar a história. Seu formato pouco convencional é bem explorado para contar as aventuras vividas pelo personagem. Seu final inesperado faz com que o leitor volte algumas páginas para ler novamente e procurar pistas que podem ter passado despercebidas.
Jornada - Aaron Becker
A história começa com uma menina entediada que pega um giz vermelho e começa a desenhar. Seus desenhos tomam vida e a levam para viver muitas aventuras.
Esse é um livro de imagens que constrói uma narrativa completa, contando uma história com início, meio e fim, cheia de detalhes e sem nenhuma palavra. É como um filme mudo que nos faz sentir toda a emoção das ações. Esse livro faz parte de uma trilogia composta por Missão e Return, que ainda não recebeu tradução para o português.
Monstros - Alice Hoogstad
De forma semelhante ao livro anterior, Monstros também fala sobre uma menina e seu giz. Mas essa menina, ao contrário da outra, não vive suas aventuras secretamente. Ela utiliza os gizes para desenhar sua cidade, que é toda branca e sem graça. Alguns desses desenhos vão ganhando vida e a ajudam a colorir tudo.
Esse é um livro que convida as crianças a participarem de sua construção e, assim, ajudarem a personagem a preencher as páginas brancas também.
Selvagem - Roger Mello
Esse é um livro que presenteia o leitor com uma história para imaginar e investigar. Imagens inusitadas nos dão algumas pistas de algo que acontece além do espaço que pode ser observado por quem lê o livro.
Bocejo - Ilan Brenman & Renato Moriconi
Esse livro conta a história da humanidade em imagens muito diferentes, com personagens de épocas distintas que são ligadas através de um ato comum: o bocejo. É um livro cheio de referências e detalhes que aumentam nosso repertório e nos levam para outros lugares.
Telefone Sem Fio - Ilan Brenman & Renato Moriconi
Um livro divertido, que deixa o leitor intrigado com o que está acontecendo. Durante a leitura as páginas vão passando e um segredo é contado de um personagem para o outro. A gente tem vontade de descobrir o segredo e imitar os personagens, entrando na brincadeira. Ao final, somos surpreendidos.
Como Nascem os Pássaros Azuis - Walter Lara
Sem nenhuma palavra, suas ilustrações feitas em aquarela nos emocionam e convidam a prestar atenção em cada detalhe.
Walter Lara é autor e ilustrador brasileiro, natural de Betim, Minas Gerais. Suas raízes ficam claras nas imagens do livro. É um belo retrato do interior mineiro.
Antes, Depois - Matthias Aregui & Anne-Margot Ramstein
Esse livro compara duas figuras de um mesmo lugar/objeto que sofreu alguma transformação com o tempo a cada página dupla. É um livro que não tem necessariamente um começo e não precisa ser lido todo de uma vez para ser compreendido. A sua ideia é mostrar como com um antes e um depois, um atrás do outro, a vida vai acontecendo...
A Tartaruga e a Lebre - Jerry Pinkney
Entre os livros dessa lista, este é o único que traz algumas poucas palavras no decorrer das páginas. Além de três breves falas na primeira página dupla, um ditado é construído ao longo da histórias que é contada pela sequência de imagens.
A leitura de Livros de Imagem transforma a nossa forma de ler as ilustrações presentes nos outros livros. Ela nos ajuda a olhar para a imagem com mais atenção e a buscar na ilustração as respostas e informações que enriquecem a leitura.
Dentro dessa lista você certamente encontrará algum título para iniciar o contato com essa nova forma de ler histórias!
