Um clássico é aquele livro que não fica datado, que segue falando e conquistando as pessoas, independente de quando é lido. Um livro que é tão interessante que nos desperta o desejo de visitá-lo de tempos em tempos para ver se ele tem mais alguma coisa para nos contar.
Muitos livros já foram escritos para as crianças e, certamente, muitos outros virão a ser. Muitos foram lidos em sua época, mas depois foram esquecidos. Alguns nem chegaram a ser lidos em seu tempo. E alguns poucos se mantêm vivos e atuais mesmo após muitos anos, sendo lidos por várias pessoas, em vários lugares, transportando fantasia e afeto entre gerações. Esses são livros especiais.
Na primeira metade do século XX, P.L. Travers (1899 - 1996), conseguiu criar uma personagem especial, que já fez parte de muitas infâncias e seguirá fazendo.
Estou falando de Mary Poppins, uma personagem que fez uma outra coisa que poucos fazem: tornou seu nome tão forte que ofuscou o nome de sua própria criadora.
Quem é P. L. Travers?
Helen Lyndon Goff, que adotou o nome Pamela Lyndon Travers e assinou seus livros com as iniciais, nasceu na Austrália em 1899, mas passou a maior parte da vida na Europa, onde deu vida a sua personagem. Ela teve uma infância difÃcil — sua famÃlia passou por alguns episódios trágicos e, sendo a filha mais velha, ela inventava histórias para distrair e divertir as irmãs. Sua história pessoal é cheia de polêmicas, como o processo de levar sua personagem para o cinema, que rendeu até filme: Walt nos bastidores de Mary Poppins (2013).
Mas afinal, quem é Mary Poppins e o que ela tem de tão especial?
Mary Poppins é a babá mais amada pelas crianças da famÃlia Banks, que chega de surpresa, com o vento leste, no momento em que a Srª Banks mais precisa e conquista a todos com seu jeito peculiar.
Mary Poppins é uma figura excêntrica, misteriosa, forte, durona, que sabe se colocar e se fazer ser respeitada — ou obedecida — por todos. Ela é vaidosa e está sempre preocupada com a aparência. E, o mais importante: Mary Poppins é, pelo menos aos olhos das crianças, uma figura mágica!
Em vários momentos ao longo de toda a história as crianças vivem e assistem a situações cheias de fantasia e magia. Já começam com a forma como Mary Poppins sobe as escadas: deslizando pelo corrimão. Ela também tem alguns objetos mágicos, como a sua mala da qual saem todas as coisas de que precisa, embora esteja aparentemente vazia. Seus parentes também são figuras interessantes: quando visitam o tio da babá para tomar um chá, a refeição é compartilhada no ar, flutuando pela sala.
Tudo isso acontece muito naturalmente para Mary Poppins e isso faz com que Jane e Michael, as crianças Banks, constantemente duvidem daquilo que viram. Eles estão sempre coçando os olhos e buscando encontrar provas de que suas aventuras não foram apenas um sonho.
Apesar de sua postura firme, seu olhar que faz com que ninguém discuta com ela e o pouco afeto demonstrado — diferente da imagem de uma babá afetuosa com a qual estamos acostumados, Mary Poppins conquista o carinho das crianças.
Neste vÃdeo aqui, falo um pouco mais sobre a famÃlia Banks e todo o inÃcio da história.
Ao todo, Mary Poppins foi a protagonista de oito livros de P. L. Travers:
Mary Poppins (1934)
Mary Poppins Comes Back (1935)
Mary Poppins Opens the Door (1943)
Mary Poppins in the Park (1952)
Mary Poppins From A to Z (1963)
Mary Poppins in the Kitchen (1975)
Mary Poppins in Cherry Tree Lane (1982)
Mary Poppins and the House Next Door (1988)
Destes, porém, apenas Mary Poppins (1934) e A volta de Mary Poppins (1935) foram traduzidos para o português e receberam várias edições, inclusive uma linda da extinta COSAC & NAIFY. Mas a que eu li e recomendo é a edição dos Clássicos Zahar. O primeiro tÃtulo ainda recebeu uma edição especial — comentada e ilustrada, que traz um texto sobre a autora e também uma palestra que a mesma fez sobre a escrita de livros para o público infantil.
Esses dois livros também receberam suas adaptações para o cinema, disponÃveis no Disney Plus. O primeiro, Mary Poppins (1964), produzido em 1964 pelos estúdios Disney, foi um grande sucesso e marcou a infância de muitas crianças. Mas a sua produção foi tão conturbada que acabou dando origem a um outro filme, justamente sobre esse processo: Walt nos bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks, 2014). P. L. Travers era bastante resistente à ideia de permitir que sua personagem saÃsse das páginas dos livros e entrasse nas telas do cinema. O processo para que a Disney tivesse os direitos autorais sobre a personagem levou cerca de 20 anos e, mesmo depois disso, todas as adaptações propostas para a adaptação cinematográfica precisavam ser aprovadas pela autora.
A história do segundo livro chegou ao cinema mais recentemente. Em O retorno de Mary Poppins (Mary Poppins Returns, 2018) a babá vem salvar a segunda geração dos Banks. Michael agora é adulto, tem três filhos e perdeu a esposa recentemente. Jane não tem filhos e ajuda seu irmão como pode, mas a vida das crianças precisa da salvação que só a melhor babá do mundo pode oferecer. E Mary Poppins sabe disso. Ela sempre sabe quando precisam dela. Ela sabe quando é a hora de chegar e a hora de sair.
Por que e para quem ler Mary Poppins?
Mary Poppins não fez parte da minha infância. Infelizmente, só tive o prazer de conhecê-la depois de adulta e, mesmo assim, me diverti bastante com a história. É uma leitura divertida, que traz explicações para muitas coisas inexplicáveis. Explicações fantasiosas e criativas que são, no mÃnimo, respostas muito bem humoradas para as situações da vida.
A leitura para os adultos é uma história com gostinho de saudade — saudade de ser criança e de imaginar e acreditar na fantasia.
Para as crianças é uma leitura diferente: uma leitura que permite que acreditem na fantasia. As crianças da história estão sempre em dúvida sobre o que está acontecendo. Será real ou não? É uma história cheia de ambiguidade e hesitação. Isso alimenta a nossa fé na fantasia. E poder viver nesse mundo fantástico é um refúgio.
Esse é um ótimo livro para se ler em uma leitura compartilhada, para ler em voz alta para as crianças e se divertir junto com elas. Mary Poppins é, de fato, especial.
E eu acho que uma das coisas que a faz tão especial é o fato de ela permitir que as crianças acreditem que a mágica existe e fazer com que os adultos se lembrem de quando se permitiam acreditar.
Bel Coimbra